quinta-feira, 15 de março de 2007

Metade



Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.
.
Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste. Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante. Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.
.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento. Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.
.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço. Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.
.
Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflicta em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...
.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito. E que o teu silêncio me fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
.
Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba. E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer. Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção.
.
E que minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor e a outra metade... também...
.
Oswaldo Montenegro

Nenhum comentário: